**Será que a linguagem é confiável? Será que não somos barrados pela língua? É isso que propõe o ensaio O Avesso das Palavras.**
No intrigante livro O Avesso das Palavras, um autor questiona a confiabilidade da linguagem. Pode parecer peculiar, mas é o que um renomado mestre literário propõe em uma coleção de análises e contos.
A linguagem não é um reflexo exato da realidade, mas mesmo assim precisamos dela para tentar compreender o mundo. É nesse impasse que Fritz Mauthner (1849-1923) argumentou que “o conhecimento mais sagaz, para além das palavras, é o conhecimento cético e profundo das línguas e de suas origens”.
O filósofo, pioneiro do método sistemático de crítica linguística e hoje reconhecido tanto dentro quanto fora das academias, teve seu trabalho pela primeira vez apresentado no Brasil.
Nos ensaios reunidos em O Avesso das Palavras, publicado pela Editora 34, somos apresentados a um escritor que, apesar de marginalizado por seus contemporâneos, era admirado por grandes mestres literários como James Joyce, Samuel Beckett e Jorge Luis Borges.
O autor nos desafia: o fato de estarmos aprisionados no abismo da linguagem não significa que não podemos avaliar a situação e encontrar uma saída, mesmo que isso resulte em um muro que nos separa da verdade.
Mauthner escreveu, entre outras obras, dois tratados com mais de duas mil páginas cada: Contribuições para a Análise Linguística e Dicionário Filosófico.
Nesta coletânea editada pelo professor Márcio Suzuki, do Departamento de Filosofia da USP, temos acesso a trechos e capítulos dessas obras.
Um trecho do texto final do livro, retirado de outro volume do filósofo e intitulado Interpretação de Minha Filosofia, pode servir tanto como uma carta de intenções quanto como um resumo homeopático sobre a visão mauthneriana – convenhamos, só os grandes pensadores conseguem o último.
O trecho diz: “**A linguagem, como razão, está sempre nos atos de falar e pensar do indivíduo; a linguagem e o pensamento estão entre as pessoas, são fenômenos sociais (…) Assim como não conhecemos a linguagem da filosofia fora dos humanos, também não conhecemos – se eliminarmos os desejos místicos – a razão pura. A análise da razão deve ser uma crítica da linguagem. Toda filosofia séria critica a linguagem.**”
Linguagens
É isso: como o autor de O Avesso das Palavras diz, não podemos separar o processo de compreensão do conhecimento humano da análise das únicas ferramentas que temos para essa empreitada linguística.
E, se quisermos complicar, basta lembrar que cada pessoa tem sua língua (e pensamentos). Ah, se ao menos as diferenças fossem reduzidas aos idiomas usados entre os países…
As ideias de Mauthner são instigantes, do tipo que nos incentivam a sair de nossas zonas de conforto mental e simbolizam a ideia, hoje amplamente aceita, de que existem outras formas de estudar, experimentar e compreender a natureza – tanto quanto as espécies que compartilhamos com o mundo. planeta.
O Avesso das Palavras recolhe textos surpreendentes de analisar. Salvo algumas exceções, principalmente quando se concentra na gramática das línguas, o autor não força uma leitura inacessível.
Claro, nesse sentido a relevância também está no trabalho do organizador e intérprete do programa brasileiro.
Apesar de Mauthner cair no esquecimento, como ensina o professor Márcio Suzuki na introdução, ele comenta a marca do gigante da filosofia linguística Ludwig Wittgenstein. Por meio de paradoxos e conclusões verbais, se aproxima da compreensão de Mauthner.
Márcio Suzuki comenta O Avesso das Palavras
O professor Márcio Suzuki, responsável pela tradução e organização de O Avesso das Palavras no Brasil, comentou sobre suas impressões.
Segundo ele, as dúvidas de Mauthner eram grandes. Isso porque ele seguia uma visão pessimista da história e da cultura de Darwin e Nietzsche. Essas ideologias trazem a linguagem como uma das ferramentas mais eficazes para os humanos dominarem a natureza.
Mas mesmo sabendo que a linguagem é inteiramente humana, uma projeção que não nos diz o que as coisas realmente são, não poderia nos ‘libertar’ da impessoalidade e da sua transformação e continuar dizendo a verdade.
Mauthner foi um dos primeiros literários a trazer um diagnóstico preciso dessa questão da filosofia moderna. Afinal, nossa visão de mundo vem da linguagem. No entanto, acabamos presos justamente nessa barreira que a língua nos impõe, e não vemos nada além.
Além disso, na opinião de Suzuki, o que fez de Mauthner um pensador único foi o fato de ele ser um judeu sem Estado, sem língua ou cultura definidora.
Com isso, ele conseguiu ver o papel da língua e da cultura europeias como poucos outros lugares. O especialista comenta como isso se aplica na política, por exemplo. O que é país? O que é União? Qual o sentido das guerras?
A linguagem sempre nos trai, e Mauthner colecionou exemplos dessa traição em seu ensaio O Avesso das Palavras.
Ele brinca com ideias políticas, culturais e até mesmo do próprio ser humano. No fim, a linguagem não existe, mas continuamos usando palavras porque não temos outra escolha.
Fonte: Veja